Entenda por que muita gente está banindo o trigo e o glúten da dieta

Na última década, os alimentos livres de glúten passaram a fazer parte da dieta de indivíduos sem diagnóstico de doença celíaca ou de alergia ao trigo mediada por IgE. Esse panorama se deve a uma condição clínica denominada Sensibilidade ao Glúten Não-Celíaca (SGNC), que já vem sendo bastante discutida na comunidade científica. Além de descrever as características fenotípicas da população acometida pela SGNC, os pesquisadores elencaram os sintomas intestinais e extra intestinais da síndrome, e ainda não estão certos sobre quais componentes de glúten ou não-glúten dos cereais que provocam essas manifestações.

O Royal Hallamshire Hospital, do Reino Unido, publicou uma revisão na qual foram discutidas as evidências para a Sensibilidade ao Glúten Não-Celíaca (SGNC), demonstradas pelos resultados de um estudo controlado, duplo-cego, randomizado, que descreve sintomas intestinais comuns na Síndrome do Intestino Irritável (SII) e sinais extra intestinais como disfunções neurológicas e psicológicas, fibromialgia e erupção cutânea, relatados após a exposição de indivíduos ao glúten ou ao trigo.

Na pesquisa, os autores salientam que as evidências emergentes sugerem que a SGNC pode estar associada a doenças gastrointestinais orgânicas, como a Doença Inflamatória Intestinal, e que seu surgimento pode ser reflexo de uma doença mais grave ou restritiva. Sugerindo, ainda, que carboidratos fermentáveis, que inibem as enzimas digestivas tripsina e amilase, e a aglutinina, uma proteína do germe de trigo, também podem ser responsáveis pela Sensibilidade ao Glúten Não-Celíaca.

A exposição ao trigo ou ao glúten em indivíduos com Sensibilidade ao Glúten Não-Celíaca (SGNC) pode provocar sintomas neurológicos e psiquiátricos

Dentre os sintomas extra intestinais da SGNC, a publicação descreve manifestações neurológicas como ataxia (comprometimento do equilíbrio ou coordenação motora ) e  dores de cabeça intratáveis, ​​frequentemente com substância branca cerebral anormal na ressonância magnética, ressaltando, que a maioria desses pacientes não tinha sintomas gastrointestinais, mas, mesmo assim, melhoraram com uma dieta livre de glúten. Portanto, eles seriam atualmente diagnosticados como portadores da Sensibilidade ao Glúten Não-Celíaca.

A revisão também analisou uma pesquisa que sugeriu que o glúten causa depressão em indivíduos com SGNC e que se sentiram melhores, durante a dieta livre de glúten. Além disso, há relatos de outras patologias como psoríase e fibromialgia em pessoas com diagnóstico de Sensibilidade ao Glúten Não-Celíaca.  

Não comemos o mesmo trigo dos nossos ancestrais

Segundo a publicação, uma das explicações para o desenvolvimento de distúrbios relacionados ao glúten estaria na mudança da variedade genética e nas qualidades imunogênicas do trigo, desde quando começou a ser cultivado entre 9000 a 4000 aC. Em um breve histórico sobre o cereal, os autores estimam que a produção de trigo ultrapasse 700 milhões de toneladas por ano. Para atender essa necessidade de cultivo, as cepas de trigo tiveram que sofrer melhorias seletivas, para se adaptarem às condições climáticas extremas, para resistirem à incidência de doenças agrícolas e para aumentar qualidade de panificação.  

Os autores datam que os primeiros casos clínicos sobre indivíduos com Sensibilidade ao Glúten Não Celíaca foram publicados em meados dos anos de 1970. Eles relatam alguns estudos que apresentaram resultados promissores, mas foram recebidos com ceticismo pela comunidade científica.  No entanto, com o aumento das especulações da mídia, com o estilo de vida sem glúten, novos estudos clínicos foram realizados para elucidar a natureza dessa relação, levando à identificação de uma nova entidade clínica denominada Sensibilidade ao Glúten não Celíaca (NCGS).

Síndrome do Intestino Irritável (SII)

De acordo com dados do artigo, a Síndrome do Intestino Irritável (SII) não tem uma causa clara, mas um estudo apontou que 84% dos pacientes com SII acreditavam que alguns alimentos eram desencadeadores dos sintomas gastrointestinais, como produtos à base de glúten, causando sintomas em 24% dos pacientes.

Além disso, indivíduos com SII, que relatam reações alimentares adversas, tendem a ter sintomas mais graves, associados à dor muscular subjetiva e esquelética, fadiga crônica e redução da qualidade de vida, em comparação com pacientes com SII sem sensibilidade alimentar. As reações adversas da SII podem estar relacionadas à alergia, intolerância ou sensibilidade.

Estudos mostraram que produtos à base de glúten podem causar sintomas gastrointestinais, geralmente, dentro de horas a dias após a exposição ao glúten, na ausência de doença celíaca ou de alergia ao trigo mediada por IgE, em adultos com SII.

Alergia ao Trigo Mediada por IgE

Ao contrário da doença celíaca, que tende a originar sintomas dias ou semanas após a exposição ao glúten, a alergia ao trigo mediada por IgE, geralmente, se manifesta imediatamente, dentro de minutos a horas, após o contato com o trigo, podendo afetar a pele, os tratos respiratório ou gastrointestinal.

Apesar desses novos achados sobre a Sensibilidade ao Glúten não Celíaca, a Síndrome do Intestino Irritável e a Alergia ao Trigo Mediada por IgE, a principal limitação dos estudos revisados deve-se ao fato de que foi usado apenas o trigo, durante as pesquisas. Ou seja, assim como pode ser o glúten, presente no trigo, pode ser outro componente desse cereal que provoca os transtornos. Vale ressaltar que o glúten é uma proteína que também está na composição da cevada, centeio, triticale e aveia (por contaminação cruzada).  

Dieta Livre de Glúten para Não Celíacos

A publicação estima que 42-91% dos indivíduos celíacos lutam para aderir à Dieta Livre de Glúten ou Guten-Free Diet (GFD). A adesão variável é explicada pelo fato de ser uma dieta mais cara, com disponibilidade limitada, pelo desconhecimento do público em geral e dos chefs de cozinha sobre a doença celíaca e a Dieta Livre de Glúten. Esses fatores contribuíram para distanciamento social e o medo de comer fora de casa de alguns indivíduos com o transtorno.

Contudo, há 10 anos, testemunhamos uma transformação drástica na oferta de alimentos sem glúten associado com o aumento da consciência social. Essa onda está ganhando força principalmente devido ao aumento do número de indivíduos sem um diagnóstico formal de doença celíaca que prescrevem uma Dieta Livre de Glúten por conta própria.

Em 2015, a mídia já era protagonista nesse reconhecimento, com a crescente popularidade de indivíduos que aderiram à Dieta Glúten Free e estimou que 15–25% dos consumidores dos Estados Unidos preferiam alimentos sem glúten. Até 2017, esse mercado foi avaliado em US$ 6,6 bilhões de dólares. Nos últimos anos, estudos observacionais de base populacional constataram uma resistência maior aos produtos à base de glúten, fora do diagnóstico de doença celíaca, como forma de prevenção.

As razões apontadas pelos indivíduos para adotar esse estilo de vida é variado. Alguns acreditam que, tirando o glúten da dieta, passa a fazer escolhas mais saudáveis, e por ser um meio de controle do ganho de peso pela redução da ingesta calórica. No entanto, a maioria dos indivíduos que adere à Dieta Livre de Glúten auto prescrita creem que a exposição ao glúten pode desencadear sintomas de doenças.

Doença Celíaca

Dentre os distúrbios relacionados ao glúten, a doença celíaca foi o primeiro a ser descrito. Definida como uma doença que atinge o intestino delgado, mediada por reações sistema imune, é uma condição que afeta 1% da população, precipitada pela exposição ao glúten alimentar, em indivíduos geneticamente suscetíveis, que pode surgir em qualquer idade. Todos os pacientes com doença celíaca carregam os genótipos HLA-DQ2 e / ou HLA-DQ8, embora esses alelos estejam presentes em cerca de 40% da população em geral.

Em uma revisão sistemática, que contou com a participação de Alessio Fasano, professor na faculdade de gastroenterologia de Harvard e fundador do Centro de Pesquisas da Doença Celíaca do Hospital Geral de Massachusetts, nos Estados Unidos, os autores afirmam que a doença celíaca é subdiagnosticada, em função de suas manifestações extra-intestinais, que direcionam o médico a concluir como sendo sinais de outras doenças.

Dermatite herpetiforme em ambos os cotovelos e joelhos pode ser um sintoma de Doença Celíaca

Dentre essas manifestações, que são consequências diretas da autoimunidade, os autores da revisão apontam dermatite herpetiforme, lesões parecidas com herpes, com crostas, distribuídas em ambos os cotovelos e os joelhos. Os outros sintomas estão indiretamente relacionados à inflamação, uma resposta específica de autoanticorpos na corrente sanguínea, e / ou à má absorção, devido a um grau variável de dano na mucosa do intestino delgado, como anemia, osteoporose, baixa estatura e puberdade tardia.

A publicação também destaca que qualquer órgão pode ser acometido, desde o sistema nervoso central às articulações, fígado, aftas orais e defeitos no esmalte dentário, permanentes e simétricos. Em alguns casos, os sintomas extra-intestinais são as únicas manifestações clínicas da doença celíaca ou ocorrem em conjunto com diarréia e sintomas de má absorção. Os autores ainda sugerem que uma melhor compreenção, por parte dos médicos, sobre a variedade de manifestações extra-intestinais da doença celíaca, contribuiria com maior número de diagnósticos e com o tratamento da patologia.

Uma vez feito o diagnóstico de doença celíaca, a base do tratamento é a adesão ao longo da vida a uma Dieta Livre de Gluten, levando à melhora dos sintomas e à recuperação das células dos órgãos afetados.

Baixe o PDF dos artigos que serviram de fonte para esta matéria:

http://karinebaldez.com.br/wp-content/uploads/2020/09/SGNC-2015.pdf

http://karinebaldez.com.br/wp-content/uploads/2020/09/Fasanno-Extraintestinais-leffler2015.pdf

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