Um estudo apresentou resultados que associam a composição da microbiota intestinal, e seus metabólitos, em especial, os ácidos graxos de cadeia curta (AGCCs) fecais, e sintomas gastrointestinais de crianças com transtorno do espectro autista (TEA). A pesquisa também apontou uma maior correlação do TEA com quadros de constipação, que podem diminuir a diversidade de espécies de bactérias e a estrutura geral da microbiota intestinal, se comparado com indivíduos não autistas.
Apesar de várias pesquisas já relatarem uma alta prevalência de sintomas gastrointestinais em indivíduos autistas, essa relação ainda levanta discussões no universo científico. Para entender melhor o papel da microbiota intestinal no TEA, os pesquisadores sequenciaram o gene bacteriano 16S rRNA, um componente da pequena subunidade 30S, que faz parte dos ribossomos, organela da célula na qual são produzidas as proteínas. Nesse estudo, foram detectados ácidos graxos de cadeia curta fecais nos ribossomos das bactérias.
Reservatório de trilhões de microrganismos presentes no intestino, a microbiota aloja as bactérias responsáveis pela fermentação de macronutrientes ingeridos na dieta, que não foram digeridos, como carboidratos, proteínas e fibras. Em seguida, esses nutrientes são transformados em ácidos graxos de cadeia curta (AGCCs), que são inibidores do crescimento de bactérias patogênicas (as ‘bactérias ruins”) como, por exemplo, a salmonela. Os principais AGCCs são o ácido acético, o ácido propiónico, o butirato e o ácido valérico (ou ácido pentanoico).

Os cientistas ainda avaliaram os sintomas gastrointestinais e analisaram a relação entre a microbiota intestinal e os AGCCs fecais em indivíduos autistas e não autistas (definidos no artigo como neurotípicos). Participaram da pesquisa trinta crianças autistas e vinte voluntários sem o transtorno, com idade entre 2,5-18 anos, incluindo meninos e meninas, nos dois grupos, que foram selecionados no Hospital Afiliado da Universidade de Zhengzhou, na China.
Os resultados da pesquisa

Os resultados mostraram que as composições da microbiota intestinal e das taxas de AGCCs foram alteradas em indivíduos com TEA: níveis mais baixos do butirato (BTA) e do ácido acético (AA) fecais, e nível mais alto de ácido valérico (VA) fecal. Dentre eles, o artigo destaca o butirato, um dos principais metabólitos do microbioma intestinal, que regula as atividades do eixo microbioma-intestino-cérebro, mantendo a integridade das funções de barreira do intestino e fortalecendo a imunidade da mucosa intestinal pelo seu potencial anti-inflamatório.

Juntando dados de um estudo anterior, que demonstrou que o butirato poderia regular o comportamento social em um modelo de camundongo autista, com a pesquisa atual, os cientistas chineses demonstraram que o BTA funciona como um inibidor da enzima histona desacetilase (HDAC), que participa da expressão genica, na fase de transcrição do DNA.

Ácido Valérico
Também foi observado um aumento do número de bactérias correlacionadas com o ácido valérico no grupo autista. Em consonância com a pesquisa, um nível mais elevado de VA já foi relatado em crianças com TEA, sugerindo que ele seja um fator crítico no autismo, embora suas funções fisiológicas sejam menos relatadas no que diz respeito à regulação das atividades do eixo microbioma-intestino-cérebro. Por isso, o estudo chinês recomenda a necessidade de aprofundar o tema.
Ainda de acordo com o artigo, algumas dessas bactérias provocam doenças oportunistas, crescendo em excesso nas inflamações, que agravam a lesão intestinal e aumentam a permeabilidade do órgão, a hipersensibilidade, a constipação e a Síndrome do Intestino Irritável.
Na presença desses quadros, pode ocorrer a passagem, para o sangue, de lipopolissacarídeos (toxina produzida no nosso organismo que provoca uma forte resposta por parte do sistema imune), o que resultaria em neuroinflamação e aumento da permeabilidade da barreira hematoencefálica – estrutura que protege o Sistema Nervoso Central (SNC) de substâncias potencialmente neurotóxicas presentes no sangue e sendo essencial para a função metabólica normal do cérebro. Os lipopolissacarídeos estão associados a distúrbios neurológicos, como a depressão maior e a doença de Parkinson. Em crianças autistas, foi evidenciado um número elevado do bacilo gran-negativo Enterobacteriaceae, uma bactéria também correlacionada ao ácido valérico.
Ácido Propiônico
Também foram encontrados níveis mais baixos de AA fecal. Produzido por vários tipos de bactérias, incluindo Bacteroides, Bifidobacterium e Prevotella, o acetato promove a síntese de colesterol no fígado.
O artigo registra ainda que não foi encontrada uma alteração significativa de ácido propiónico fecal em indivíduos autistas, provavelmente, devido à diferença de estrutura étnica e dietética em crianças chinesas em comparação com outras. O ácido propiónico tem a função de regulação de neurotransmissores, como a dopamina, que, alterada, poderia induzir comportamentos típicos do TEA.
Os pesquisadores sugerem que “as estratégias terapêuticas que modulam a microbiota intestinal e os AGCCs, especialmente as bactérias produtoras de butirato, podem ter potencial para aliviar os sintomas relacionados às disfunções gastrointestinais no transtorno do espectro autista.
O Segundo Cérebro
Evidências indicam que a composição da microbiota intestinal e das moléculas que ela sintetiza estão alteradas em uma ampla gama de doenças, incluindo no TEA. Conhecida como segundo cérebro, a microbiota intestinal se comunica com o sistema nervoso central (SNC) por meio dos sistemas endócrino, imune, metabólico e neural.
Essa comunicação ocorre por meio do “eixo microbiota-intestino-cérebro”, que desempenha papel importante na fisiologia, no desenvolvimento cerebral e no equilíbrio dos sistemas imune e metabólico. Dessa forma, a “perturbação” desse eixo pode estar associada ao TEA.
Os ácidos graxos de cadeia curta (AGCCs) são componentes funcionais e vitais no eixo microbiota-intestino-cérebro. Existem relatos de que o ácido propiônico perturba as funções do estômago e do intestino de maneira semelhante às anormalidades do TEA. O butirato inibe a histona desacetilase, suprime a função pró-inflamatória intestinal dos macrófagos e regula a barreira hematoencefálica (BHE) e a permeabilidade intestinal, que são alteradas no TEA.
Artigo original: Altered gut microbiota and short chain fatty acids in Chinese children with autism spectrum disorder
Disponível em https://www.nature.com/articles/s41598-018-36430-z
Excelente artigo
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